terça-feira, 19 de abril de 2016

Kakistocracia e Kakoscracia no Brasil


A Kakistocracia é um conceito do historiador grego Políbio, que significa "governo dos piores", onde pior significa corrupto, imoral, inapto, etc.

Segundo Venturini (1975), "a Kakistocracia vem de kakistos, que em grego é o superlativo de kakos. Por sua vez kakos significa 'mau', 'sórdido', 'sujo', 'vil', 'perverso', 'nocivo', etc. Logo, se kakos é perverso, o superlativo kakitos é o 'pior entre os perversos'. Daí que nos ocorreu que Kakistocracia é o governo dos piores". 

Contudo, se kakos é perverso e kakitos é "o pior entre os perversos", não seria incoerente dizer que se existe uma Kakistocracia também é possível uma Kakoscracia, ou seja, o governo que é de fato ruim, mas não o pior a ponto de ser enquadrados em uma Kakistocracia. Talvez a Kakoscracia seja um meio termo entre a mediocridade e a Kakistocracia. Em que pese Políbio ter conceituado um governo inapto ou imoral como Kakistocracia, o mundo mudou e hoje não se enxerga os grupos políticos apenas como bons ou maus. 

Bovero (2002) diz, em seu livro "Contra o governos dos piores" que a Kakistocracia é a combinação da tirania, a oligarquia e a demagogia, que resulta num péssimo governo, a república dos piores". O filósofo italiano tem sido largamente utilizado como fonte de referência em trabalhos que relacionam os governos de esquerda com a Kakistocracia na América Latina, principalmente em espanhol. Não se trata de um inocente erro de entendimento, mas de uma manipulação dos grupos kakistocratas para jogar um valioso conceito contra a esquerda e tirar o foco sobre os mesmos.

Vejamos primeiro os componentes básicos da Kakistocracia: oligarquia, tirania e demagogia.

Oligarquia
  1. substantivo feminino
    1. 1.
      regime político em que o poder é exercido por um pequeno grupo de pessoas, pertencentes ao mesmo partido, classe ou família.
    2. 2.
      p.ext. preponderância de um pequeno grupo no poder.

Bovero diz que o grupo é oligárquico. No Brasil, quem são as oligarquias brasileiras senão os coronéis, os latifundiários e os grandes empresários, representados pelo clã Marinho, proprietário da Rede Globo? Em que momento do país a esquerda brasileira foi maioria no Congresso Nacional? O que houve foi uma coalizão da esquerda com setores de centro e até de direita para ter os votos necessários para aprovar projetos, mas isso se chama governabilidade, existente em qualquer país com estrutura política que se assemelhe ao país.

Tirania
substantivo feminino
  1. 1.
    poder soberano usurpado e ilegal; governo de tirano.
  2. 2.
    domínio, poder ou qualidade de tirano.

Bovero também diz que o grupo é tirano, pois não aceita perder o domínio e quando perde, o toma de forma ilegal.

No Brasil está em curso um processo para usurpar o poder legalmente atribuído a presidenta Dilma. Um grupo que sequer reconheceu a derrota nas urnas e que tem promovido a ditadura da maioria no Congresso Nacional, atrapalhando o governo quando tem a oportunidade. A tirania não está na esquerda, mas na direita. 

Finalmente, Bovero diz que há demagogia.


Demagogia
Sousa (2016) diz que "o filósofo Platão foi um dos primeiros a usar a palavra demagogia em um sentido pejorativo. Nesse caso, ele reivindicou o uso do termo para conceituar aqueles que julgavam como bom tudo aquilo que os agradava e ruim tudo que ia contra seus interesses."

Nesse sentido é possível atribuir a todos os grupos políticos que já alcançaram o poder algum grau de demagogia, mas jamais destinar uma parcela maior a esquerda do que à direita.  

Ainda que persistisse alguma dúvida, Bovero diz que o governo dos piores favorece a Plutocracia, ou seja, que o sistema político seja controlado pelo grupo mais rico. Onde estão os ricos, senão ao lado do pato amarelo da Fiesp? Senão ao lado dos que desejam derrubar uma presidenta eleita pelo povo? Demagogia é uma parcela da sociedade querer desmerecer a vontade de mais de 50 milhões de brasileiros nas ruas, mas querer derrubar a presidenta por manifestações com alguns poucos milhões de insatisfeitos. 

Se o impeachment sem crime de responsabilidade ocorrer, tudo se encaminha para o "governo dos piores", onde será posto em execução a Ponte para o futuro, uma série de medidas não apoiadas por voto popular. Um programa de governo ilegítimo. 



Sobre a Kakistocracia (Jorge Luis García Venturini, 1975)

Em artigo anterior procuramos reivindicar a adoção correta do conceito de aristocracia, tão menosprezado em nossa época. Ali demos as razões históricas e conceituais para mostrar que a democracia - para ser autêntica e não mera palavra vazia ou simples mecanismo eleitoral, que dá o triunfo à metade mais um - não deve opor-se à aristocracia, mas unir-se à ela, completar e impregnar seu espírito. É dizer que, longe de abrir mão do governo dos melhores (aristocracia), deve-se desejar o governo dos melhores, sob risco de deixar de ser democracia.

Também, advertirmos que parecia existir uma tendência geral (em todas as ordens e não só na questão de governos) de buscar o conformismo aos piores. Não é raro que indivíduos moralmente frágeis, com antecedentes de corrupção e pouco ou nenhuma capacidade técnica chegam ao poder. Quando isso ocorre temos o que denomino Kakistocracia, que também é um sinônimo de Chantocracia, visto que a palavra grega kratia encontra correspondência no vocábulo portenho chanta
O chanta é um malandro, um mentiroso, alguém que consegue falar muito sem dizer nada de relevante. Segundo os dicionários também é alguém que faz coisas ruins. No lunfardismo portenho (lunfardismo vem de lunfardo - gíria argentina/uruguaia) também pode significar uma pessoa nada recomendável, porém não demasiadamente prejudicial (pode ser incapaz, inocente, inapta).

Kakistocracia vem de kakistos, que em grego é o superlativo de kakos. Por sua vez kakos significa "mau", "sórdido", "sujo", "vil", "perverso", "nocivo", etc. Logo, se kakos é perverso, o superlativo kakitos é o "pior entre os perversos". Daí que nos ocorreu que Kakistocracia é o governo dos piores. 

Nos parece que surgem claras distinções entre o "chanta" e o "kakisto". Há um aspecto moral a ser pensado, pois o chanta pode ser um inocente. Já o kakisto é intencionalmente perverso. Além disso ele não e apenas perverso, mas o pior.

O significado profundo e real de Kakistocracia só se capta em contraposição com a aristocracia. Se há um vocábulo para designar o governo dos piores, qual a razão para inexistir um vocábulo para o governo dos melhores? 

Quando um grupo ou um povo abre mão de ter os melhores, entra em um tobogã e passa dos medíocres aos piores. Não estamos aqui questionando formas de governo ou modos de eleger governantes. Isso são outros temas que abordaremos em outras oportunidades. Se trata de fundamentalmente de um espírito, de uma inspiração, de uma exigência profunda de consciência individual e coletiva. Se trata de tender de cima para baixa (mera gravitação) ou de baixo para cima - afã de perfeição. Se trata de exigir e exigir-se menos ou de exigir e exigir-se mais. Se trata, enfim, de ser rebanho ou de se sentir e atuar como pessoa humana. Porque a Kakistocracia não só é um atendado contra a ética - já por si só algo muito grave - mas também contra a estética, uma falta de bom gosto.


Traduzido por Alexsander Borges Ribeiro a partir do original em espanhol: VENTURINI, Jorge Luis García. Acerca de la "Kakistocracia". 29 mar. 1975 (La prensa). Republicado em 28 sep. 2007 por El Instituto Independiente.

Aristocracia e Democracia (Jorge Luis García Venturini, 1974)

Das alternativas semânticas sofridas ao longo do tempo, estes vocábulos parecem ter significados opostos. A participação de todos na coisa pública foi denominada democracia (ainda que como forma de governo o nome correto seja República), e como tal enfrentava a participação de só uns poucos homens, o que se denominava aristocracia e, também, oligarquia, termos estes que se usam indistintamente, o que tampouco é correto.

A democracia – na linguagem ligeira e convencional– soa como oposição à aristocracia. Porém isto precisa de uma maior atenção, pois atrás desta falsificação semântica se esconde uma falsificação conceitual e entram em jogo princípios fundamentais.

Se por aristocracia entendermos uma classe social que por sua linhagem está investida de numerosos privilégios, entre eles o de governar, sendo estes privilégios hereditários e inalteráveis, quaisquer que sejam os valores éticos ou a efetiva capacidade para fazer-lo, é certo que a democracia (e a República) constituem o contrario daquele sistema. Porém, ocorre que aristocracia significa também e, fundamentalmente, o “governo dos melhores” (aristos é, em grego, o melhor), e nesse sentido a democracia não tem porque ser oposição à democracia, ao menos que vire algo que não deveria virar, isto é, o governo dos piores. Contudo, a má adoção do termo, que nos faz dizer às vezes o que não queremos dizer, nos tem levado a associar a aristocracia com a oligarquia, que não é o governo dos melhores, senão de uns poucos (e segundo seu sentido tradicional, o governo "egoísta" desses poucos), e colocando a democracia contra a aristocracia.
E como a linguagem nos condiciona e também nos determina - como diriam os estruturalistas, "eu não falo, sou falado" - em não poucas situações a democracia passou a significar ou a implicar na mediocridade, na mediocracia ou diretamente na possibilidade de acesso ao poder pelos menos aptos, os inferiores, incapazes ou piores. Há casos em que não se trata de aristocracia nem de democracia, mas abertamente de Kakistocracia.
Nos dias atuais todos se autodenominam democratas e quase no há quem se diga aristocrático; este adjetivo é quase visto como um insulto. E isto é muito grave. Porque ao empregar mal os termos vamos perdendo os sentidos de melhor e caminhando rumo ao conformismo diante da mediocridade, de aceitar o pior. E o mais triste é que se faz isso em nome da democracia.
A democracia - preferentemente em seu verdadeiro significado de vida, mas também no sentido de forma de governo - só pode funcionar efetivamente se não se opuser à aristocracia, se juntar-se à ela e for impregnada pela mesma. Por sermos democráticos, devemos não desejar um governo dos melhores? devemos aplaudir o governo dos piores?
Também é preciso advertir sobre uma coisa: Que esse governo dos piores não são meras palavras. Há casos na história em que diversas circunstâncias possibilitaram a chegada dos piores ao poder e não é injusto enquadrá-los como "os piores" pelos seus passados, pela ausência de capacidade para o cargo e por suas fragilidades morais. 
O ideal aristocrático está presente na melhor tradição ocidental. Mesmo na epopeia homérica o conceito de aretê é o atributo adequado e infalível da nobreza. Aretê é o valor, o talento, a capacidade, etc. Nos filósofos clássicos e nos meios de comunicação se afirma a necessidade do "governo dos melhores", ainda que nunca tenha sido fácil encontrar a forma para realizá-lo. Rousseau, inteligentemente, apontava que a melhor forma de governo não era a democracia (que ele entendia no sentido de exercício direto do poder pela multidão), mas a aristocracia eleita, convencido de que do sufrágio surgiriam os melhores, ainda que reconhecesse que o procedimento pudesse falhar. Porém, o que nos interessa destacar aqui é que um homem do século XVIII, um porta-voz da revolução, um antimonárquico e um antiaristocrático (no sentido da aristocracia clássica e hereditária) defendeu a aristocracia como forma ideal de governo.
Em nosso século, temos o caso, não de um pensador, mas de um político ativo, que é um verdadeiro modelo do que queremos dizer. Se trata do inglês Winston Churchill, o maior dos aristocratas. Seu sentido democrático foi realmente excepcional. Ninguém defendeu com tanta clareza e determinação a democracia como forma de governo e como forma de vida. A ninguém devemos tanto pela democracia. 
Perigosa é a tendência em nossos tempos de mediocrizar, de igualar tudo por baixo, de excluir os melhores e aplaudir os piores, de seguir na linha do menor esforço, de substituir a qualidade pela quantidade. A verdadeira democracia nada tem a ver com as frágeis tentativas. Não pode ser um processo gravitacional de cima para baixo, mas um esforço de transformação que vai de baixo para cima. E isso vale tanto para a consciência individual como a consciência coletiva, que interagem. Dizia muito bem Platão que "a qualidade da Pólis (cidade) não depende nem dos carvalhos, nem das rochas, mas da condição de cada um dos cidadãos que a integram".
O Cristianismo e o Liberalismo, cada um, a seu momento, foram grandes promotores sociais, pois quebraram estruturas rígidas e fizeram que os de baixo pudessem chegar em cima. Nesse sentido foram dois grandes processos democráticos. Porém ninguém de seus teóricos defendeu a mediocridade, nem renunciaram ao "governo dos melhores". Só o populismo atual, que não é democrático, mas sim totalitário, abre mão do ideal aristocrático e introduz os piores. 
Que lástima.
Traduzido por Alexsander Borges Ribeiro, a partir do original em espanhol: VENTURINI, Jorge Luis García. Aristocracia y democracia. 29 dec. 1974 (La prensa). Republicado em 27 sep. 2007 por El Instituto Independiente

O que é Kakistocracia?


A Kakistocracia é um conceito do historiador grego Políbio, que significa "governo dos piores", onde pior significa corrupto, imoral, inapto, etc.

Em 1944, Frederick M. Lumley,  resgatou o termo “Kakistocracia” e publicou sua definição no “Dictionary of Sociology”. Para Lumley, a Kakistocracia é um estado de degeneração das relações humanas em que a organização governamental é controlada e dirigida por governantes de todo tipo, desde ignorantes até a criminosos.

Na América Latina espanhola o conceito de Kakistocracia parece mais utilizado do que no Brasil, em parte impulsionada pelas publicações do filósofo argentino Jorge Luis García Venturini, que na década de 70 publicou alguns textos utilizando o termo. Um dos textos é "Aristocracia e democracia" e o outro é "Sobre a Kakistocracia", ambos traduzidos para o português.




Michelangelo Bovero utilizou o conceito de Kakistocracia em seu livro "Contra o Governo dos Piores", publicado em 2002 em português, pela Editora Campus. Nele o autor defende que a Kakistocracia surge da combinação da tirania, da oligarquia e a demagogia, resultando em um péssimo governo, que é a república dos piores.

Em 2009 Miguel Carbonell escreveu um pouco sobre a Kakistocracia mexicana. Consulte aqui.